A adoção e impactos da IA no Setor Público
Inovação
Cesar Patiño - Mentor de Startups, Consultor de Empresas e Professor
Foto cesar patino

Desde que foi cunhado pelo cientista da computação John McCarthy, em 1955, o termo "Inteligência Artificial" tem sido um elemento constante no imaginário coletivo, presente em obras de ficção como "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1968), "O Exterminador do Futuro" (1984) e "A.I. Inteligência Artificial" (2001). Seja retratada como vilã ou encantadora, a IA tem capturado a imaginação das pessoas.

No entanto, na realidade, o desenvolvimento dos sistemas de Inteligência Artificial foi gradual devido às limitações da capacidade computacional para armazenar e processar dados. Nos últimos 10-15 anos, porém, testemunhamos uma aceleração exponencial dessas capacidades, impulsionada pela Computação em Nuvem, Big Data e, mais recentemente, pelos poderosos processadores GPU da NVidia. A tendência indica que essa evolução continuará a acelerar com a introdução no mercado de computadores quânticos.

Com o surgimento dos poderosos processadores GPU da NVidia, também testemunhamos o advento da IA Generativa, onde modelos de LLM (Large Language Models), como ChatGPT e Gemini, revolucionaram o mercado, democratizando o acesso à IA para usuários comuns e empresas, trazendo consigo um enorme potencial econômico. Segundo um relatório da consultoria McKinsey, os sistemas de IA têm o potencial de contribuir com US$ 13 trilhões para a economia global até 2030, e esse valor pode aumentar ainda mais com o crescente interesse na IA Generativa.

Essa realidade explica o porquê de as empresas privadas estarem em uma "corrida do ouro" para implementar soluções de IA e capturar uma fatia desse valor.

Entretanto, quando se trata do setor público, as discussões geralmente se concentram em temas como legislação, regulamentação e ética no uso da IA. Globalmente, vemos iniciativas como o "European Union's Artificial Intelligence Act" na Europa e o projeto de lei brasileiro PL2338/2023, que buscam estabelecer diretrizes para a regulamentação local da IA.

Apesar dos desafios, a IA tem o potencial de aprimorar significativamente as operações governamentais e atender às necessidades dos cidadãos de novas maneiras, desde a gestão do tráfego até a prestação de serviços de saúde e o processamento de formulários fiscais. Além disso, sua adoção no setor público pode aumentar a satisfação dos funcionários e a qualidade dos serviços oferecidos.

Tecnologias disruptivas como a IA, especialmente quando combinadas com outras tecnologias como Blockchain e IoT (Internet das Coisas), têm o poder de transformar governos, possibilitando respostas personalizadas aos cidadãos, automação de processos de Back-office, detecção e prevenção de fraudes, entre outras aplicações. Vários governos já começaram a adotar essas capacidades para melhorar seus serviços e engajar os cidadãos de novas maneiras.

Ao redor do mundo,  governos estão adotando capacidades de IA para aprimorar e apoiar os serviços públicos oferecidos aos cidadãos. Algumas aplicações de IA no setor público incluem:

Agilizar o Atendimento ao Cidadão: A implementação de ferramentas de IA, como chatbots, para responder às consultas dos cidadãos de forma automatizada. Por exemplo, esses sistemas podem auxiliar na solicitação de benefícios sociais, realizar triagem em serviços de saúde pública, realizar agendamentos em órgãos governamentais, enviar alertas automáticos para questões como a renovação da carteira de motorista, realização de exames de saúde ou matrículas escolares, entre outros atendimentos.

Engajamento do Cidadão: A IA é empregada na coleta e análise de feedback de milhões de cidadãos sobre políticas ou legislações, através de consultas públicas online. Nos EUA, por exemplo, a IA foi utilizada para analisar os sentimentos dos cidadãos com base em 21 milhões de comentários online sobre a política de Neutralidade da Rede do governo americano.

Detecção, Prevenção e Investigação de Fraudes: Sistemas de IA são rotineiramente empregados por órgãos reguladores governamentais e instituições financeiras para rastrear transações financeiras ilícitas, como fraudes e lavagem de dinheiro.

Na Armênia, a IA auxiliou a agência fiscal na detecção de transações incorretas, resultando em um aumento significativo de suas receitas. No Brasil, a IA identificou 500 empresas pertencentes a funcionários públicos responsáveis pela fiscalização dos contratos dessas empresas, o projeto teve financiamento do Banco Mundial por meio do programa Tecnologias Disruptivas para o Desenvolvimento.

Automação de Processos Robóticos (RPA): Ferramentas de automação de IA são utilizadas para automatizar tarefas rotineiras, como a transferência de dados de planilhas para sistemas informatizados, que anteriormente eram realizadas manualmente. Além de reduzir tempo e custos, essa automação elimina erros e retrabalhos, aumentando a eficiência e a satisfação dos cidadãos com os serviços públicos. No Reino Unido, por exemplo, a RPA processou 30.000 pedidos de pensão em duas semanas, uma tarefa que demandaria milhares de horas de trabalho manual em muitos meses.

Fornecimento de Serviços Personalizados: A IA está sendo empregada para oferecer serviços personalizados em países como Estônia, Dinamarca, Reino Unido, EUA, Cingapura, Coreia e Japão. No Reino Unido, por exemplo, a IA auxiliou o governo na classificação e simplificação de 2 milhões de páginas da web, visando uma prestação de serviços mais centrada no cidadão.

Análise e Tomada de Decisões: A IA é utilizada para agregar e analisar diversos dados, como dados domésticos, pesquisas, matrículas escolares, imagens de satélite, entre outros, a fim de produzir insights sobre políticas públicas e identificar áreas que necessitam de melhorias.

Conformidade e Gestão de Riscos: Sistemas de IA são empregados para cruzar e reconciliar grandes volumes de dados de diversas fontes, visando criar alertas de não conformidade. Por exemplo, autoridades fiscais podem utilizar a IA para rastrear contribuintes que utilizam perfis duplicados para evadir impostos, enquanto programas de seguridade social podem empregar IA para verificar a elegibilidade dos beneficiários.

 

No entanto, apesar do potencial transformador, muitas instituições públicas ainda não adotaram essa tecnologia devido a restrições legais, falta de investimento e habilidades em IA, além de uma cultura organizacional que pode ser resistente à mudança.

Em comparação com as organizações privadas, o setor público enfrenta algumas restrições legais e riscos na adoção de sistemas de IA.

  • Garantir uma IA confiável: Devido à sua responsabilidade em atender equitativamente o público, as entidades governamentais enfrentam padrões rigorosos ao lidar com questões cruciais de IA, como confiabilidade, segurança, ética e justiça.. 
  • O investimento em IA não é uma prioridade:  Os orçamentos governamentais priorizam programas e atividades específicas, deixando em segundo plano os investimentos em tecnologias subjacentes, como a IA, que muitas vezes desempenham um papel secundário nas estratégias de serviços públicos
  • Falta de competências em IA e de gestão de dados: As agências governamentais carecem de habilidades essenciais em IA, o que compromete sua capacidade de implementar e operar soluções dessa natureza. Funcionários não técnicos, como diretores de departamento, compradores e decisores políticos, frequentemente carecem de conhecimento adequado sobre dados e IA.
  • Obstáculos Culturais: As organizações do setor público enfrentam desafios na adoção de novas tecnologias, sendo menos ágeis que as empresas privadas devido a práticas e processos estabelecidos. Assim, a adoção de tecnologias transformadoras, como a IA, pode ser dificultada caso a agilidade não faça parte da cultura organizacional.

 

Atualmente, pelo menos 50 governos desenvolveram ou estão em o processo de desenvolvimento de uma estratégia de IA. No entanto, o ritmo da adoção da IA é desigual e não há nenhum país das regiões da África ou da América Latina, por exemplo, na lista dos 20 principais países no Índice de Prontidão para IA desenvolvido pela Oxford Insights.

Este desequilíbrio na velocidade de adoção da IA pode ter o potencial de levar a maior desigualdade entre as nações ricas e as nações pobres.

 

Para acelerar a adoção da IA, a criação de um centro de inovação para IA no governo poderia ser uma solução viável, reunindo recursos humanos e financeiros para apoiar iniciativas dos ministérios setoriais em todo o governo. Esse centro também poderia facilitar a colaboração com o setor privado e instituições acadêmicas para impulsionar pesquisas e desenvolvimento.

E neste sentido, no último dia 07/03/2024, o  Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia se reuniu, com a presença do Presidente da República, para tratar da pauta estratégica: Avanços da Inteligência Artificial no Brasil, contando também com atores da sociedade civil e especialistas.

O debate  do Conselho será realizado com uma visão holística, distribuída em 4 eixos:

Eixo 1: Desafios para aumentar a capacidade digital e investimento em P&D do país, desenvolvimento da cadeia produtiva de IA. 
Eixo 2: Oportunidades e riscos associados às aplicações de IA. 
Eixo 3: Impactos e Oportunidades da IA no mundo do trabalho. 
Eixo 4: Inteligência Artificial e a Integridade da Informação. 

 

Este é apenas o começo de uma jornada pelo governo brasileiro que esperamos que desbloqueie todo o potencial da IA com responsabilidade e ética para o benefício da sociedade e que, enquanto cidadãos, devemos acompanhar e realizar as devidas cobranças.

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