KWAMI ALFAMA CORREIA

CEO da Tereos Amido e Adoçantes
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Kwami Alfama Correia está na Tereos Amidos & Adoçantes desde 2017. Ingressou como head de operações e, desde janeiro de 2019, ocupa o cargo de CEO da unidade. Ingressou no LeaderX em 2021 e hoje atua como embaixador.

Fale-nos um pouco da sua história e de como veio parar no Brasil. 

 

Nasci em Cabo Verde, um arquipélago na costa ocidental da África de colonização portuguesa, e morei em meu país de origem até os 15 anos, quando, em conjunto com meus pais, decidimos ser a melhor opção de uma melhor educação estudar em Portugal, na cidade de Coimbra.

 

Portugal foi uma grande escola de vida, pois me ensinou, para além da diversidade cultural, a me virar sozinho e a cuidar de aspectos que, até então, eu não tinha precisado gerenciar sem apoio, como pagar aluguel, cuidar da alimentação, ter uma conta bancária. Eu precisei aprender a organizar a casa, para que eu pudesse entender, mesmo que minimamente, como ser visionário e construir impulsos para o futuro.

Após quase quatro anos em Portugal, decidi embarcar para o Brasil e realizar um sonho de criança que era ser engenheiro mecânico. Por meio de um convênio entre países de língua oficial portuguesa, iniciei o meu curso em Engenharia Mecânica na Escola Federal de Engenharia de Itajubá, hoje Universidade Federal de Itajubá, uma pequena cidade no Sul de Minas Gerais. Assim, aos 19 anos, comecei minha jornada no país.

Quais dificuldades enfrentou ao chegar no país? 

 

Inicialmente as primeiras dificuldades foram a adaptação a um novo país, especialmente em relação à língua. Apesar de falarmos português em Cabo Verde, Portugal e Brasil, na prática são línguas com algumas diferenças e sofri um pouco para entender meus colegas e professores e para me fazer entender.

 

Logo em seguida passei a questionar e a sentir uma inquietação ao me deparar com a falta de diversidade no ambiente acadêmico brasileiro. Em meu país de origem os negros ocupavam todos os espaços e, aqui, praticamente não havia outros negros na universidade, por exemplo.

 

Esse incômodo, no entanto, trouxe algo positivo. Foi a partir dele que comecei a questionar e a me empenhar para aumentar o acesso e a presença de pessoas negras em espaços até então pouco ocupados.

 

Quais eram os seus sonhos e objetivos ao chegar em terras brasileiras? 

 

Em primeiro lugar, continuar meus estudos e me formar na universidade. Acredito que a educação é fundamental para nosso desenvolvimento em diversas esferas: como pessoa, como cidadão, como um ser crítico e pensante e que tem o poder de mudar o status quo.

Além disso, também vim em busca de novas experiências e formações. Sempre digo que estudar, trabalhar, ou apenas passar algum tempo de sua vida em algum país estrangeiro pode trazer muitas vantagens que, inclusive, vão além do “upgrade” no currículo. Entendo que para ter sucesso na carreira, as movimentações precisam começar em nós mesmos, é necessário ser líder da própria trajetória para depois inspirar os demais.

Em algum momento pensou em desistir? 

 

Nunca! É claro que lutar por uma causa, por vezes, pode ser cansativo. Mas acredito que ações transformadoras podem modificar o mundo. É com esse pensamento que visualizo as ações afirmativas nas empresas, são elas que podem transformar o cenário que vivemos e proporcionar maior inclusão.

 

Entretanto, os desafios ainda são grandes. Tenho muito orgulho da minha história, trajetória e de onde cheguei, mas não quero continuar sendo o único ou um dos poucos que conseguem chegar nas altas posições de liderança. Tampouco podemos esperar mais 20, 30 anos para que tenhamos representatividade na alta liderança das empresas. Por isso, desistir não é uma opção.

Por fim, também acredito que a dedicação proporciona ótimos resultados. Precisamos de dedicação e foco para conseguirmos alcançar o que tanto almejamos e contribuir com mudanças significativas.

 

Você possui vasta experiência no setor alimentício, trabalhando em várias empresas antes de se tornar o CEO da Tereos Amido & Adoçantes no Brasil. Quais suas principais características enquanto gestor e que o fizeram crescer tanto?

 

Acredito que estamos sempre em constante desenvolvimento e evolução e tento seguir esse caminho.

 

Eu já fui, por exemplo, um líder que não dava espaço para a equipe. Hoje, dou e percebo que nunca fui tão feliz, porque aprendi que não podemos controlar as pessoas. A missão da liderança é guiar e ajudar as pessoas a equilibrar a vida pessoal e profissional. O modelo de líder “chefe” apenas contribui para que a equipe trabalhe sob o medo e não consiga mostrar a sua criatividade e inovação.

 

Também tenho que, para ser um líder eficaz, é preciso criar espaços de segurança e de diversidade para que as pessoas possam empreender, inovar e ser plenas no ambiente de trabalho. Isto quer dizer, dar espaço para que elas consigam mostrar o seu potencial e consigam ser elas mesmas.

 

Outro princípio que adoto é o de liderar pelo exemplo. Uma das frases muito usadas no mundo corporativo é o Walk the Talk, algo como “o que você diz, você tem que fazer”, em tradução livre. É preciso alinhar discursos e práticas para promover mudanças e inspirar as próximas lideranças.

 

Diversos CEOs de grandes empresas têm pedido demissão, alegando que estão sofrendo fortes pressões pelo cargo que exercem. Qual a sua visão sobre como as empresas devem tratar o tema saúde mental? Como conciliar trabalho e vida particular em um mundo cada vez mais tecnológico? 

As relações de trabalho mudaram muito nas últimas décadas e as vidas profissional e pessoal passaram a se misturar cada vez mais. Por mais que, em alguns momentos, isso seja inevitável, é preciso que as pessoas saibam fazer essa separação e, mais do que isso, que as empresas percebam que esses limites precisam ser respeitados.

Com a tecnologia – e aqui temos smartphones, aplicativos de mensagens de texto, internet – as pessoas passaram a ficar 24h por dia conectadas. Porém conexão não deveria significar disposição. Há até uma frase do momento que diz que “não é porque estou online que estou disponível” que é uma grande verdade.

Essa pressão por resultados, por entregas e, agora, por disponibilidade tem gerado, de fato, transtornos em muitos profissionais. E é fundamental que o tema da saúde mental seja discutido, seja colocado em pauta e seja quebrado o tabu em torno dele. Sempre digo que não se muda o jogo sem discussão, sem gerar desconforto. Por isso esse tema precisa ser trazido à tona e empresas e líderes precisam olhar para ele com atenção.

Qual o maior desafio que todo CEO enfrenta diariamente? 

 

Independentemente do acrônimo, VUCA (do inglês, iniciais para Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade), BANI (Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível), a verdade é que vivemos em um mundo cada vez mais complexo, em que as relações de trabalho mudaram e em que as pessoas passaram a fazer valer mais seus direitos. Os temas relacionados a pauta ESG, entre eles a sustentabilidade ambiental, diversidade e inclusão passaram a se tornar pauta obrigatória e não há mais espaço para sexismo, racismo, capacitismo e outros preconceitos.

 

Assim, hoje o CEO não é só um líder do seu negócio. Ele é um líder para as pessoas e seu papel, além de ajudar na melhor trajetória de condução do negócio, é inspirar e mostrar um caminho de boas práticas, de acolhimento, de cobrança na hora devida, mas de celebração quando merecido.

 

É um desafio de saber equilibrar diferentes mundos dentro do microcosmo da empresa, sempre pensando no melhor para seus colaboradores.

 

Como você acredita que serão as relações de trabalho nas empresas, com a chegada e estabelecimento do 5G, desde carga horária até o home office? 

 

Como já dito anteriormente, está muito claro que as relações de trabalho mudaram. Já havia um movimento mais forte, especialmente entre gerações mais jovens, de busca de um trabalho com mais propósito, que oferecesse qualidade de vida, e a pandemia veio potencializar esse sentimento de que o equilíbrio é essencial.

 

As empresas vão precisar se adaptar a essa nova realidade. O home office tornou-se comum para muitos trabalhadores, quando a função assim permite, e acredito que será muito difícil uma volta exatamente igual aos padrões anteriores. Os tempos são outros.

 

Na Tereos Amido & Adoçantes, por exemplo, adotamos um modelo híbrido e flexível para as pessoas de áreas administrativas, alternando dias presenciais e dias trabalhando de casa.  Também oferecemos uma ajuda de custo mensal para despesas extras, como internet. Porém, mais do que a presença em escritórios, o importante é garantir que tenhamos rituais que propiciem a aproximação das equipes, a co-criação e a vivência da cultura.

 

Acredito, assim, que adaptação e equilíbrio vão dar a tônica para o mundo do trabalho daqui em diante. As empresas e os funcionários vão precisar se adaptar e se adequar a novos modelos que vêm surgindo, acelerados pelo avanço das tecnologias. E o equilíbrio entre vida privada e profissional vai ser cada vez mais importante nessa relação.

 

Quais os maiores desafios que já enfrentou e qual foi o momento "divisor de águas" na carreira? 

 

Por mais que eu queira falar sobre os vários desafios que eu tive e que no final do dia todos nós temos na carreira, acredito que o meu maior foi e é a paternidade. Sou pai de 4 filhos, de gerações diferentes. As mais velhas têm 24 e 20 anos e os mais novos têm 10 e 8 anos de idade, sendo que os 3 primeiros são do meu primeiro relacionamento. O desafio de estar presente mesmo estando longe, o desafio de transmitir valores e da educação à distância. Enfim, considero este, de longe, meu maior desafio como pai, pessoa e que tem impacto enorme na vida profissional e carreira se não bem conduzido.

 

Conte-nos sobre a sua iniciativa de inserção de gestores negros na direção e nos conselhos administrativos das empresas. 

 

Sempre fui um dos poucos ou o único negro nos espaços que frequentei. Comecei a refletir mais sobre isso e passei a fazer um trabalho de pesquisa para conhecer outros executivos negros. Então, no ano passado, idealizei e cofundei o Instituto Pactuá justamente para conectar profissionais negros de diversos segmentos.

O Pactuá é uma iniciativa voltada para estimular a inclusão de pessoas negras na alta liderança das empresas. A ideia surgiu a partir de uma retrospectiva da minha própria vida, quando percebi uma falta de diversidade tanto no ambiente universitário e, principalmente, nas posições de liderança nas empresas nacionais e multinacionais por onde passei. O objetivo é acelerar a inclusão de talentos negros, potencializando a ascensão nas empresas.

Nosso objetivo é conectar profissionais negros de diversos segmentos e inserir essas lideranças na direção e no conselho administrativo das empresas brasileiras. A iniciativa se dá por meio da realização de mentorias profissionais negros e negras que já atingiram uma certa senioridade nas organizações, da criação de trilhas de desenvolvimento e na elaboração de uma rede de indicações para recrutamento voltados para cargos de liderança.

Hoje, temos experts em quase todas as áreas da administração, combinando conhecimento e lugar de fala, prontos para discutir estratégia, tecnologia, finanças, e, claro, diversidade.

Ao todo, o grupo atua em cinco pilares estratégicos: ampliar o conhecimento que o grupo tem sobre ancestralidade; retribuir à sociedade o espaço que conquistaram e abrir portas para as próximas potências; educar e informar os outros, construindo ativamente uma sociedade mais justa; aumentar a escala trazendo diversidade para todos os elos da cadeia de valor; advogar em prol de profissionais negros, removendo barreiras para o seu crescimento e desenvolvimento.

Na sua opinião, como o Brasil pode resolver o problema da desigualdade? 

 

Não há uma resposta fácil e simples para essa questão, tanto que a desigualdade faz parte da história do Brasil há muitos séculos. Porém trazer esse tipo de discussão à tona, reconhecer o problema, falar sobre ele e começar a gerar uma conscientização são primeiros passos que não podem ser deixados de lado.

Sabemos que esse é um problema urgente, mas infelizmente a solução nem sempre segue na mesma velocidade. Por isso, em se tratando da questão da presença de pessoas negras no mercado de trabalho, por exemplo, eu decidi aproveitar minha ocupação como CEO para estimular mudanças e dar visibilidade a profissionais negros em suas infinitas competências, nas mais diversas áreas e cargos.

É imprescindível que as pessoas que tenham qualquer tipo de poder em mãos para mudar esse quadro se empenhem e se coloquem em ação.

 

Voltando à questão da diversidade, é muito comum vermos instituições falando que não encontram essas pessoas para a contratação – sejam pessoas negras ou de qualquer outro grupo minoritário. Isso não faz muito sentido, pois essas pessoas existem e estão disponíveis no mercado de trabalho. Talvez o que aconteça é que elas podem não ter acesso ao mesmo networking e visibilidade que várias pessoas brancas com as mesmas formações e experiências, por exemplo. Por isso dar visibilidade, dar voz, abrir portas e remover barreiras para o crescimento e desenvolvimento são de importância ímpar para começarmos a pensar em diminuir a desigualdade.

 

Sua história é muito inspiradora, qual o maior conselho para a construção de uma carreira de sucesso?


Em primeiro lugar, aconselho a todos que tenham vivências extraordinárias, fora do comum. Conhecer outros países e/ou outras culturas deixou de ser, há muito tempo, um diferencial e tornou-se premissa básica para quem almeja mudanças disruptivas. Pensando nisso, compartilhar essas vivências e ouvir a de outras pessoas pode ser imensamente enriquecedor.

Esse ponto tem ligação direta com outro conselho que considero importante: conheça pessoas, faça networking. Isso porque nosso desenvolvimento profissional não depende apenas da nossa formação, das nossas competências ou do nosso comprometimento, mas dos laços que criamos ao longo da nossa carreira. O networking é uma rede que você cria e que alimenta durante sua trajetória.

Por fim, seja comprometido com os seus valores, tenha objetivos bem definidos, procure por relações que possam enriquecer seu desenvolvimento com ideias disruptivas, conhecimentos diversos e esteja disposto a escutar, criando assim relações fortes e genuínas.

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